sábado, abril 21, 2007

O sonho quebrado

Considerado como um dos primeiros filmes noir, "The Maltese Falcon" dá forma, através de inúmeros exemplos, a esta expressão que se tornou num género.
Assim, logo na sequência inicial é bem visível o contraste entre a luz e a sombra no gabinete de Sam, mesmo com a luz do dia as sombras provocadas pelos estores estão presentes.
Por outro lado, o quarto de Sam está às escuras somente uma janela mostra a luz do exterior. Ao atender o telefone apenas ouvimos a sua voz, o seu rosto só aparece quando acende a luz do candeeiro.
De facto, são os candeeiros dispostos estrategicamente pelo cenário que dão luz e sombra em cada cena, sendo inserido em cada plano o tecto do apartamento de Sam ou de Brigid, pois é ele que reflecte essa mesma luz e sombra.
Tudo é contrastante no filme, até a música que por vezes é lenta e suave, se torna estridente nos momentos chave da narrativa. Até mesmo o vestuário das personagens reflecte a dualidade luz/sombra, pois todas usam uma peça de roupa clara e outra escura.
Igualmente importantes são os planos usados no filme que, em muito deixam transparecer a personalidade e a situação de cada personagem; como os planos de conjunto, os planos médios e subjectivos. Outro exemplo, é o campo contra-campo, em que no mesmo plano está sempre uma personagem de frente e as outras costas e vice-versa, e sempre de ângulos diferentes; ou até mesmo o plano contra-picado de Gutman no quarto de hotel, mostra todo o seu altruísmo. No entanto, na última sequência do filme todas as personagens são filmadas de igual forma, pois todos estão na mesma situação.
Na verdade, as personagens aparecem-nos facilmente caracterizadas pelos planos e pelo próprio ambiente que as rodeia. Assim, Sam apresenta-se como um homem frio, insensível, arrogante que despreza qualquer intenção de sedução por parte da mulher, neste caso Brigid, mulher sedutora e mentirosa que usa a fragilidade como seu aliado.
Ao longo de uma narrativa fluida, toda a história converge num ponto: o dinheiro, que desperta a ganância desmedida em personagens desde logo condenadas, servindo-se de esquemas e enganos para atingirem objectivos pessoais.
É a verdade e a mentira que juntas constroem as incertezas deste género cinematográfico, são elas as metáforas da luz e da sombra, da noite e do dia, são elas que quebram todo e qualquer sonho que pesa e é feito de chumbo.

Anaísa Rato