segunda-feira, dezembro 04, 2006

Double Indemnity, de Billy Wilder


Double Indemnity (1944), de Billy Wilder, é, como já foi dito numerosas vezes, um exemplo admirável do filme Noir. É escusado que nos prendamos pois com a enumeração de características em que encaixa preferindo centrar-nos numa: a relação do protagonista, repleta de ansiedade e paranóia, provocada e projectada na figura da mulher.

As primeiras imagens do filme são de uma estrada molhada de Los Angeles, quase deserta nas primeiras horas da manhã, que Walter Neff (Fred MacMurray), um vendedor de seguros tornado assassino, percorre a grande velocidade desrespeitando várias regras básicas do trânsito entrando quase em colisão com outro veículo desavisado. Visivelmente perturbado, e ao que parece ferido, dirige-se ao seu escritório onde contará em flashback os sinuosos caminhos que o levaram até este ponto sem retorno – assim se inaugura o depois típico modelo do herói introspectivo, em desespero, fumando...

A femme fatale, Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck), é também muito cedo caracterizada como tal. A primeira visão que temos dela é num plano em contra-picado em que ela aparece envolta apenas numa toalha, apresentando-se assim ao protagonista sem qualquer pudor, pelo contrário, em tom de sedutor desafio. Pelo menos é assim que Walter Neff vê e entende a situação.

É interessante notar que todas as femmes fatales são apresentadas e descritas por homens (quer pelos protagonistas dentro do filme, quer pelos realizadores) que assinalam e projectam nelas, inevitavelmente, os seus receios e desejos. O ponto de vista é sempre o masculino. Não tento com isto pôr em causa a maior ou menor veracidade dos relatos, apenas procuro acertar que elas, as femmes fatales, não são mais uma personagem autónoma do que uma projecção masculina. O despertar da instabilidade acontece no inconsciente da personagem masculina, e a narrativa performa os caminhos abstractos e não lineares da mudança ocorrida. É também a mise-en-scène, os cenários (como a mansão gradeada pela luz que entra pelas persianas que deixa ver o ambiente sujo e claustrofóbico em que vive Mrs. Dietrichson) que metaforicamente a mostram sempre mediada, como predadora enjaulada, que a fecham na categoria ideológica da mulher como figura dos conceitos nela germanos: “desejo” e “morte”.

A mulher é neste filme vista como figura dupla (de resto, esta ideia do duplo joga de forma inteligente com vários elementos ao longo do filme, começando obviamente pelo título). Uma dupla promessa de preenchimento e de eterna danação. No final o impasse é resolvido pela consciência que Walter adquire de que nunca terá Phyllis, nem terá mais nada.

Catarina Maia