segunda-feira, dezembro 04, 2006

THE MALTESE FALCON


O filme começa com uma legenda que conta a história do falcão maltês, enquanto vão surgindo planos do ano de 1941 de São Francisco (Golden Gate Bridge). Depois somos levados pela janela de um escritório que tem escrito “Spade and Archer” até ao detective Spade que enrola um cigarro. A secretária Effie Perine (Lee Patrick) anuncia um novo caso e a mulher fatal, Ruth Wonderly (Mary Astor), que procura a irmã desaparecida e que supostamente está na companhia de Floyd Thursby provavelmente em São Francisco, uma história estranha. E depois os primeiros homicídios. Este é o princípio de uma história em que nada parece o que realmente é e só Spade pode revelar a verdade. É desta forma que entramos no mundo noir deste filme, o mundo do detective particular, da mulher fatal, dos diálogos cortantes e inteligentes.

Em 1941, o mundo estava em Guerra. No mesmo ano, estreava The Maltese Falcon, filme de John Huston, considerado o primeiro filme noir da história do cinema. Porém, não foi um manifesto que lhe conferiu a devida importância histórica e artística mas sim a crítica francesa, que cinco anos após a estreia americana do filme, tomava contacto com uma nova sensibilidade, uma estética que impregnou a produção de filmes B (principalmente filmes policiais) e, mais tarde, até mesmo alguns melodramas classe A.

O filme noir é descendente directo do filme de gangsters dos anos 30, que por sua vez é filho de uma realidade marcada pela crise económica e pelo aparecimento do crime organizado, durante a instituição da Lei Seca, e que imediatamente após a sua revogação intensificou e diversificou as suas actividades. O crime tornou-se um meio rápido de ascensão social. A moral perdia a sua rigidez e desintegrava-se, numa sociedade onde as antigas leis políticas e económicas não garantiam mais um futuro promissor.

O crime surge, nem tanto como o resultado de uma revolta contra as condições de um sistema que marginaliza e oprime, mas como tentativa de preencher vidas tediosas e opacas. A violência é a válvula de escape, o termómetro social, forma que seres embrutecidos encontram para perseguir os seus interesses, reivindicar os seus direitos ou manifestarem a sua inadaptação ao mundo.

Retrato de seu tempo, o filme noir mostra-nos um mundo de luz e sombras, onde a moral e a divisão simplista entre bons e maus cede espaço à decadência e ambiguidade das personagens. Um mundo em que a desilusão e a incerteza se embrenham nos alicerces de uma sociedade, que faz do sucesso uma cultura e do individualismo uma religião.

O filme noir é um estilo, uma maneira de se filmar, nitidamente influenciada pelo Expressionismo alemão, pelo Realismo poético francês e pelo romance policial. Temos a figura do detective duro e solitário que encontra um sentindo para a existência no individualismo e no exercício de sua profissão, sobrevivendo como um pária do mundo exterior, e mantendo uma ilusória sanidade mental às custas da indiferença e do "não envolver-se".

Apesar de o argumento de The Maltese Falcon ser uma adaptação literária (do livro homónimo de Dashiell Hammett) Huston não ficou totalmente limitado pelos detalhes do argumento e filmou algumas cenas fugindo à obra original.

A contrastada fotografia a preto-e-branco, ângulos anti-convencionais, uso recorrente de picados e contra-picados, fontes isoladas de luz, profundidade de campo, o ângulo à altura do olho. Os planos com pouca luz, criativos e descritivos, tornam a fotografia uma das maiores qualidades do filme. Huston usa imagens do tecto como forma de criar imagens de confinamento, e os espaços do filme, excepto nas cenas do hotel e do cais, são quase claustrofóbicos, sugerindo que a investigação de Spade é extremamente limitada.

Muitas vezes são utilizados, de uma forma muito inteligente, ângulos fora do comum para enfatizar a natureza das personagens. Algumas das cenas mais impressionantes tecnicamente são com the Fat Man (Sidney Greenstreet), especialmente a cena em que este explica muito calmamente a história do falcão a Spade enquanto espera que o sonífero que pôs na bebida deste faça efeito. Gutman está sentado enquanto conta a história e a câmara colocada perto do chão mostra-o num plano em contra-picado, para que o seu enorme tamanho preencha todo o ecrã, dominando a cena completamente, investindo-o de uma grande autoridade. A sua enorme barriga cruzada pela corrente de ouro de um relógio de bolso fica marcada na mente, reforçando simbolicamente a enormidade da obscura história e conspiração que cerca o falcão.

Também as cenas que envolvem Brigid (Mary Astor) são visualmente muito significativas, quase todas elas sugerem a prisão: ela aparece com um pijamas às riscas, a mobília no quarto é às riscas e os raios de luz que atravessam as persianas sugerem as grades de uma cela, assim como as grades do elevador no fim do filme.

A ideia que temos neste filme é que Huston trabalhou cuidadosamente cada uma das cenas de forma a que as imagens, a acção e o diálogo se fundissem na perfeição. O realizador não foi menos cuidadoso com o desenvolvimento do filme, que começa lentamente mas que a certo momento ganha velocidade assim que a narrativa se começa a desenrolar. É a incisiva montagem de Huston que aumenta gradualmente a velocidade do filme. Também a banda sonora é utilizada de forma cuidada, completando uma ou outra cena.

Ângela Cristina Menezes